Drag and drop a picture here or Double click to open a picture

Pansophia

Pansophia

sábado, 1 de fevereiro de 2014

David Hume e a tese de que os animais são dotados de sensações


por Leandro Morena

Na trajetória da história da filosofia alguns pensadores, principalmente os medievais, afirmaram que o homem é superior aos animais. Essa diferença encontra-se na capacidade que o homem tem da linguagem e do intelecto. No período medieval, os pensadoclip_image001[7]res criaram um abismo entre o homem e os animais, pois  o pensamento central naquela época tinha como ideia de que Deus criou o homem à sua imagem*. No pensamento moderno o homem é colocado como o que há de mais importante na Terra - o egocentrismo - e o pensamento mecanicista que ganhara grande aceitação no meio filosófico, fez com que o distanciamento que havia acontecido no período medieval, ficasse difundido no pensamento moderno.

Na contramão desse pensamento, o filósofo escocês David Hume (1711-1776), clip_image002[3]que foi o autor da obra: Tratado da Natureza Humana inovou o conceito de que somente o homem tem a capacidade de sentir, pois nesse tratado Hume dedicou algumas passagens explicando as sensações nos animais, vindo afirmar que os animais assim como os seres humanos possuem essa capacidade. O filósofo escocês chega a essa conclusão, simplesmente, pelo fato da observação do comportamento dos animais, pois estes chegam à espantosa semelhança com o ser humano. Hume cita vários exemplos de sensações que é exclusivamente encontrada no homem e podem, muito facilmente, ser encontradas nos animais; características essas como o amor, o ódio, o orgulho e a humildade. Essa afirmação que Hume faz coloca um questionamento aos adeptos do mecanicismo.
         Hume afirma que os seres humanos são conduzidos pela razão para chegar numa finalidade: realizar ações para a autopreservação da nossa espécie, obtendo-se o prazer e evitando-se a dor. Nos animais, afirma Hume, vemos o mesmo comportamento, realizam ações para chegar numa determinada finalidade que é a autopreservação.
                                          clip_image003[3]
           
Segundo Hume, o orgulho e a humildade são paixões encontradas nos animais.
É claro que, em quase todas as espécies de criaturas, mas  sobretudo nas mais nobres, há muitas e evidentes marcas de orgulho e humildade. O próprio porte e o andar de um cisne, um peru ou um pavão mostram à altiva ideia de que tem de si mesmos, e seu desprezo para com os outros. Isso é ainda mais notável porque, nestas duas ultimas espécies de animais, o orgulho sempre acompanha a beleza, e só aparece no macho. A vaidade e emulação dos rouxinóis em seu canto têm sido observada com frequência; e também a do cavalo em sua rapidez, dos cães de caça em sua
sagacidade e olfato, do touro e do galo em sua força, e de todos os outros animais, em suas excelências próprias. Acrescente-se a isso que todas as espécies que se aproximam do homem com tal frequência que chegam a adquirir com ele uma familiaridade mostram um evidente orgulho por sua aprovação, e comprazem-se com seus elogios e carinhos, independentemente de qualquer outra consideração. E não é o carinho de todos, sem distinção, que lhes provoca essa vaidade, mas especialmente o das pessoas que conhecem e amam; exatamente como ocorre quando essa paixão é despertada no homem. Todas essas são provas evidentes de que o orgulho e a humildade não são paixões meramente humanas, estendendo-se, antes, por todo o reino animal.

    Tradução: Déborah Danowski

O amor e o ódio são características encontradas nos animais. Hume cita o exemplo de uma pessoa que trate bem um animal, com carinho e alimentando-o, automaticamente o animal corresponderá com o mesmo gesto de carinho. Se tratarmos um animal mal consequentemente despertamos sua fúria. O animal não somente ama os da sua própria espécie, mas sim qualquer outra espécie diferente, inclusive o homem. Um exemplo, afirma Hume, é o cão que pode amar mais o seu dono do que outro cão. Essa afirmação de Hume leva-nos aos dias atuais, pois hoje observamos que muitos animais como cães e gatos são usados como autoajuda para pessoas idosas internadas em casas de repouso, crianças com doenças graves e pessoas com deficiência mental e observa-se que essas terapias relação homem-animal mostram-nos que está alcançando resultados surpreendentemente positivos.

Hume continua citar mais exemplos de sensações encontradas nos animais:

  É evidente que a simpatia, ou comunicação das paixões, ocorre entre os animais tanto quanto entre os homens. Medo, raiva, coragem e outros afetos comunicam-se frequentemente de um animal a outro, sem que eles tenham conhecimento da causa que produziu a paixão original. Também a tristeza é recebida por simpatia, e tem quase as mesmas consequências, e desperta as mesmas emoções que em nossa espécie. Os uivos e lamentos de um cão produzem uma sensível inquietação em seus companheiros. E é notável que, embora quase todos os animais, ao brincar, empreguem a mesma parte do corpo que usam para lutar, e ajam quase da mesma maneira – o leão, o tigre e o gato usam suas garras; o boi, seus chifres; o cão, seus dentes; o cavalo, seus cascos -, eles evitam cuidadosamente ferir seu companheiro, mesmo sem temer sua reação. Isso é uma prova evidente do senso que os animais têm das dores e prazeres uns dos outros.

Tradução: Déborah Danowski
                                                             
Embora as observações que Hume fizera dos animais não obteve grande efeito na época, como também toda a obra do Tratado da Natureza Humana não teve grande aceitação pelo público, pois a obra não foi bem compreendida e Hume foi acusado de ateísmo e pirronismo e levou-o escrever obras mais acessíveis, e mesmo assim, imortalizou-se como um dos maiores filósofos do seu tempo.
Voltando a questão que Hume propôs de que os animais são dotados de sensações, abriu-se um novo horizonte para que a filosofia questionasse esse distanciamento que os animais têm com os homens e colocasse em dúvida de que os animais agem puramente por automatismo. Filósofos contemporâneos a Hume como Condillac (1714-1780) que aprofundara na questão das sensações nos animais e posteriores a Hume como Bentham (1748-1832) e Schopenhauer (1788-1860) começaram a discussão da capacidade que os animais têm de pensar e sentir e as criticas severas ao sofrimento animal.

* Ver o nosso texto: A superioridade do homem na filosofia Agostiniana.

Créditos:

HUISMAN, Dennis. Dicionário de Obras Filosóficas. Tradução: Ivone Castilho Benedetti. Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2002;

HUME, David. Tratado da Natureza Humana. Trad. Déborah Danowski. Ed. Unesp. Imprensa Oficial, São Paulo, 2001.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Por favor, deixe seu comentário: